Nove e trinta da manhã do dia 9 de setembro - As crianças foram chegando aos poucos: primeiro uma turma, depois outra!
Foram três turmas de creches diferentes. As crianças na faixa etária de 3 a 6 anos, que pareciam bem menores que suas idades. A Biblioteca, nessa manhã, abriu a porta de seu singelo auditório à acolhida das crianças. A manhã, que acordara chuvosa, teve seu salão limpo pelo Senhor de todos os tempos, e o Astro Rei conseguiu brilhar mais forte.
A Narradora (Claudete da Mata), com uma folha em branco na mão, ouvia atenta a música solta no ar: "Agora é hora de contar".
Entregando-se à magia da voz da menina que cantava, e o olhar atento das crianças, a narradora olhou à cadeira da "Vó Filomena" e às vestimentas do "Velho João", mas nada de nenhum dos dois chegar. E o primeiro a entrar, foi o Conto de "Gerard: O Menino que só queria sonhar" (Texto de Claudete da Mata).
Contos são iguais a filhos que geramos. Muitas vezes desejamos que sejam do nosso jeito, que venham na hora que queremos, e quando nascem nos surpreende.
Quando programamos a chegada de um, de repente, lá vem outro de surpresa. Mesmo assim, muitos de nós ainda continua pensando que os escolhemos, negando e resistindo a existência desta realidade. Talvez seja por isso que muitos deixam de gostar de suas próprias escolhas, abandonando-as, por não saber entrar em conexão com seu próprio universo simbólico. Mas com Gerard, que chegou de repente e encantou todos com seu jeito de ser... Foi bem diferente - ele encontrou a porta aberta e entrou sem ser rejeitado.
Contos são como pessoas, precisam ser bem cuidados e sempre bem recebidos pelo narrador, seu porta voz; depois pelo leito/ouvinte. Digamos que, em cena, um precisa entrar no interior do outro. É quando o narrador passa a contar com o coração.
E uma simples folha de papel foi o suficiente para retratar o mundo de Gerard, bem como todos os seus desejos e suas aventura, uma gama de viagens próprias de um menino imaginativo que só deseja viver a sua meninice. Pra não falar mal, este é um menino cheio de artimanhas para fugir de seu mais importante compromisso, na visão dos adultos...
Depois que Gerard foi embora, entrou o Velho João, o velho que nasceu menino lá pras bandas do Riberão... O filho da bruxa, sobrinho de outras tantas. A catarse provocada, não foi pequena. a narradora teve que interferir, e num jogo de improviso, levou um menino para dentro da história. ele tremia que nem vara verde, mas, ao receber a benzedura da personagem: aquela que benzeu o menino João, após ter sido encontrado largado no meio do milharal, o menino suportou o medo que o afligia, e continuou vendo e ouvindo tudo o que acontecia na vida do outro menino.
No período da tarde não foi diferente, outro menino, entre muitos que, firmes em suas cadeiras, suportavam o medo, também teve uma catarse, sendo inserido no contexto da história, quando o Velho João cai da vassoura bem no meio da Praça XV, Centro - Florianópolis (SC), ao lado da Velha Centenária Figueira. Dava de sentir seu coração imaginativo, pulsar forte: toc toc toc...
enquanto Claudete narrava, ouvia o barulhinho do coração do menino: uma experiência emocionante.
Para quebrar um pouco do clima metafórico, veio a Vó Cida, trazendo consigo a mamãe cabrita dos "Sete Cabritinhos e o Lobo". Ela entrou com um "mééé", resgatando um dos contos da literatura clássica, por sua vez, desconhecido por muitos adultos, até por universitários das ciências humanas, por incrível que pareça.
Crianças atentas às recomendações da Dona Cabra aos seus Filhos, antes de ir às compras. era final de mês e ela precisava abastecer a dispensa de alimentos. Se eles se comportassem direitinho, teriam uma grande surpresa... Coisa de mãe!
Dona Cabra mal saiu, e lá veio o seu Lobo: Toc toc... Tem alguém em casa?
Com este conto em cena, a crianças foram ao delírio com a representação cênica, acompanhada de sons, gemidos e ruídos. Nos momentos de todos os toc toc da batida do Lobo, querendo saber se tinha alguém em casa, algumas crianças até se encolhiam na cadeira, parecendo ser um dos cabritinhos da Dona Cabra.
Mas o Seu Lobo, depois de engolir seis cabritinhos, precisava tirar uma sesta. então foi à procura de uma boa sobra, onde se deitou, adormecer e começou a roncar com sua bocarra aberta. Ele roncava tão alto que acordou todos os bichos da mata. Dona Cabra, depois de ouvir o filho mais novo, aquele que se escondeu dentro do relógio, sabichona e matreira que só ela, foi até a cozinha, pegou um objeto e foi à procura do comilão...
No caminho, encontrou um caçador... Do outro lado da coxia improvisada, ecoava os gemidos doídos do Seu Lobo, enquanto sua enorme barriga era aberta pela dona Cabra, retirando seus filhos de dentro dela, já quase pronta para fazer a digestão...
Depois do resgate dos Seis Cabritinhos, outras histórias entram para levar a plateia a mais uma viagem. Primeiro entra Maria, a Menina que morava no tempo em que criança não escrevia...
Depois entra Pedro, o menino que acordou com um comprido rabão...
Pedro era um menino de muitas ideias. Pra bem da verdade, era um exímio contador de histórias, desses que conseguem nos prender horas e horas ouvindo sem parar as suas histórias.
Depois foi a vez de receber dois animais que se encontram numa floresta, sob a luz da lua.
Um é cego, e o outro um tanto mal cheiros. Juntos, vivem algumas aventuras.
De autoria da narradora Cida Facioli, os dois animais ganham vida e as crianças entram, com ela, na floresta. Contadores e escritores que não conseguem levar o público leitor/ouvinte para dentro de seus contos, o melhor a fazer é rever suas práticas no fazer literário que não se restringe somente à escrita, indo muito mais além do que a nossa vã filosofia.
Até uma boneca chamada Zizinha entrou em cena. Ela bateu na porta, de mansinho, entrou e encantou a plateia. Quem disse que bonecas não falam?
Zizinha e sua dona, vieram no tempo de todas as meninices e suas bobices. Uma aprendendo com a outra, chorando e criando coisas impossíveis...
Vó Cida, nesse momento único, volta a ser criança e vive cada momento, todas as traquinagens, as emoções, os pensamentos de menina.
A plateia, com seus olhos arregalados, não perdem um só acontecimento, onde muitas vozes entram em cena, trabalhando a beleza e os encantos de um tempo que não volta mais. Parafraseando Gonzaguinha: "Viver e não ter a vergonha de ser feliz... Contar e contar e contar a beleza de ser um eterno aprendiz..."
Depois de viverem momentos inesquecíveis, as crianças gostam de ver, tocar e vestir-se com todos os elementos de cena, até mesmo aqueles que não entraram nas contações, mas que fazem parte delas. Este contato faz parte das experiências do leitor/ouvinte.
Dia 28 de agosto, de volta à "Roda dos Contos de Encantos e outros Contos"
Hoje quem chegou primeiro, foi o Velho João, e atrás dele vieram as bruxas.
Veio, também, a "Galinha Polaca", criação de Antonieta Mercedes, escritora e contadora de histórias.
Polaca é uma galinha vaidosa e muito engraçada. Só os galos do terreiro sabem disso. Suas vizinhas são as únicas que não gostam nem um pouco dessa história...
Polaca casa e tem uma ninhada de filhos, cada um com as suas diferenças, mas como toda boa mãe, ela sabe o que fazer para manter a ordem no ninho.
Voltou Pedro com o seu rabão. Este menino sempre trás algo diferente.
Chegaram outras bruxas, as bruxas de Itaguaçú que certa vez resolveram dar uma festa sem a presença do capeta. Pois ele, quando comparecia só sabia dar mordidas e beliscões nas bundas das bruxas.
Elas não aguentando mais os maus tratos, por isso, só convidaram o Saci, a Caipora, o Curupira e o Boitatá que ajudou a clarear a noite. Entre todos os convidados, havia um jovem chamado Malaquias, o gigante que chegou atrasado... Quando chegou, seus amigos e amigas já estavam transformados em pedras. De tanto que chorou, Malaquias inundou o ambiente festivo, com suas lágrimas. Porque gigante quando chora, não enche somente um balde...
Até o Gerard voltou a se apresentar, desta vez sendo representado por um menino de verdade. Nesse jogo interativo, a improvisação entra em cena, onde a criatividade em comunhão com a memória é estimulada, surgindo belíssimas histórias dentro de outra história, transcrita e incorporada ao repertório do contador, gerando novas reflexões e aprendizado compartilhado com a plateia e outros contadores.
A experiência tem nos mostrado que a essência do conteúdo literário está na sua forma, e sua pluralidade está no fazer. Toda narrativa tem sua engenharia, e quem cuida dela é o narrador com seu jogo corporal, sua técnica vocal, sua expressão oral, gestual e visual, entre outro segredos forma o bom contador de histórias.
Depois de Gerard, vieram os dois bichos: o cego e o mal cheiroso retornaram, para que outras crianças pudessem conhecê-los.
Depois chegou a menina bruxa, que brincava na beira da praia, sempre no final da tarde. Era uma menina fujona, esperta e brincalhona, porem, muito mal tratada pelos adultos de sua casa. De tão sabida que era, aprendeu a ler sem ir à escola, um lugar onde havia uma professora muito malvada, e outra que entendia a menina.
As
histórias, cada qual com sua engenharia, pedem certas maneiras de
contar, exindo respeito ao texto e seus contextos. Elas precisam de várias
experimentações, onde os narradores mais experientes, sabem dar a cada
conto, os seus tons lineares, silenciadores, sejam eles dramáticos ou
não, mas que precisam ser ouvidos, primeiramente, pelo narrador, tanto
no momento da criação (materialização da escritura) quanto no momento de
contar. São estas experiências que dão vida ao texto e à narrativa.
o silêncio, por exemplo, que se apresenta em forma de pausa (parada) numa narrativa oral, faz uma espécie de amarração que reverbera dentro do contador, assim como no escritor, mostrando ao leitor/ouvintes tudo o que está acontecendo. é neste momento que o narrador/contador ouve a história dentro dele, uma história que mostra e fala coisas que retratam os seus afetos. e os desafetos. Assim, o contador mais experiente, numa espécie de transe, exterioriza os sentimentos das personagens, as suas intenções, tudo o que entra em conexão com o leitor/ouvinte levando-o à catarse.
O contador de histórias que não deixa o corpo falar, não consegue provocar as emoções e os sentimentos do seu público, ainda não alcançou a experiência de entrar na história e deixar que a história entre nele, quando ambos estão em cena.
No
jogo de improviso, é preciso saber fazer para não colocar em risco a criação em
cena. É nesse momento que o contador autoral, com suas experiências, faz com
que o enredo tome outro rumo. Até as personagens são capazes de cutucá-lo nas
entrelinhas das suas falas. Ao contrário, isso já não poderá ser feito com os
contos de outros autores que, pela estética individual, a história
precisa ser narrada na íntegra.
Contos
de outras autorias, precisam entrar no contador e o
contador nele, numa sincronia, sem possibilidades de improvisos. Neste
caso, o contador precisa ser fiel ao texto, memorizando-o, independente do
número de páginas escritas, onde o contador precisa ser ético e respeitar a estética
do outro ao dar voz e forma ao texto, salvo os contos que já são de domínio
público que podem ser adaptados, com cuidados especiais ao ser lidos e relidos, para não se perder as
reais intenções do autor primário, como nos contos de fadas, que ao serem torcidos
até não caia mais uma única gota, o resultado será um conto sem os mesmo
sentimentos e emoções da obra
primária, reverberando uma espécie de lavagem cerrebral, deixando o
enredo e suas personagens sem graça, sem condições de levar o público às mesmas viagem oferecidas pela autoria anterior.
Todo mundo conta histórias,
Todo mundo tem seu jeito de abrir o universo que está dentro de seu peito...
Ele é Feito do que vejo, do que sinto a cada instante,
Olhando as pequenas coisas e os grande movimentos!
Ah!!! Me deixo levar...
E vivo a vida que me deram de presente...
Ah!!! Tenho a Lua a me guiar
E agradeço tanta coisa pra contar...
(Pollo)
Convidar a plateia para subir ao palco, é oferecer mais experiências para o enriquecimento de sua bagagem simbólica.
Contos são assim: Adultos viram crianças e crianças viram personagens ao tocar os elementos de cena. muitas dessas crianças, foram à Biblioteca pela primeira vez.
As histórias não param por aqui porque a magia continua por meio da reelaboração do imaginário.
Agora é hora de tocar... Vem, vamos todos imaginar...
As três contadoras: Claudete da mata, Antonieta e Saray Martins.
Vendo a resposta das crianças... É a vida, é bonita e é bonita...
Nosso sonoplasta Natan Leal, nossas contadoras de histórias e escritoras, Antonieta Mercedes, com a galinha Polaca, e Cida Facioli, a Vó Cida!
Coordenação: Claudete da Mata, idealizadora da Oficina Literária Boca de Leão, escritora, contadora de histórias, pedagoga/psicopedagoga, mãe e atriz manipuladora de bonecos contadores de histórias.
Parceria: Biblioteca Pública de SC.
Contato: claudete_tm@hotmail.com
Fone: 9600-6680