segunda-feira, 8 de setembro de 2014

MEMÓRIA DE UMA CONTADORA DE HISTÓRIA: TERRITÓRIO DA LIBERDADE.




As histórias batem na porta e eu as deixo entrar. É quando elas começam a se escrever dentro de mim. E, quando nos damos bem, seguro nas suas mãos e elas permitem que eu as reinvente. Quando tudo dá certo, sigo em frente na tentativa de torná-las minhas meninas cheias de filhos e filhas.

Histórias são como o tempo. Para muitos representam dinheiro, mas para mim elas representam uma vida a ser vivida de dentro para fora e vice-versa. Por isso, a importãncia de conhecer os segredos das suas narrativas.

Cada história é um visitante que vem sacudir a minha memória, esbugalhar os meus olhos, me fazer gargalhar, me causar estranheza até abrir a minha boca e me deixar estática por algum tempo. Tem histórias que resgatam os meus pensamentos, que transcendem o meu tempo, o tempo do outro, o nosso tempo.

Então, fico a pensar cá com os meus botões: "é assim que as narrativas vão se multiplicam dentro e fora de mim - todas num movimento tão profundo, que as vezes pareço outra pessoa quando estou soltando as histórias que habitam em mim - aquelas que entraram na minha memória e fizeram morada. Muitas vezes me vejo conversando com as personagens e eu as materializo... Mesmo que as vezes muitas delas pareçam compridas de tão grandes e, ao mesmo tempo, podem parecer curtinhas do tamanho de um mosquito, porém, muito rápidas para alguns leitores/ouvintes, de tantas coisas que ela conseguem fazer e provocar. Então vejo que o tempo tão temido para alguns narradores, são tão amigos de outros. Eu prefiro dar sempre aquele tempo ao tempo e deixá-lo fluir naturalmente, dentro e fora de mim. Assim eu não fico presa a ele, nem ele a mim!"

Quando as histórias começam a me visitar, ao apresentar-se muitas vezes tão tímidas, sinto que elas precisam ser ouvidas, sacudidas... Se eu empresto os meus ouvidos, entrego o meu corpo para elas e não me perco nas minhas suas ausências de palavras porque ao ouvi-las, logo consigo mantê-las dentro de mim.

Se as histórias começam a me fazer cócegas, é porque elas precisam ganhar corpo, voz, cor, cheiro, altura, tamanho e movimento... Mil coisas. Caso uma de nós (eu ou a história) não saiba como buscar a sua própria voz, então é chegada a hora de alguém decidir para que a escolha de cada uma possa ganhar vida e gerar mais e mais vidas, porque o caminho é feito de escolhas - nossas e da própria história que nos escolheu. Assim, tanto o narrador quanto as personagens conseguem reverberar nas suas andanças.

Quando conto ou escrevo um fato, preciso me deixar habitar pelas histórias e suas trajetórias, sem esquecer das personagens... Fazer tudo o que é preciso fazer, sem obedecer quem está do lado de fora das histórias e também de mim. Assim eu não me engesso com as interferências alheias ao território da liberdade que me oferece o poder de dar força às histórias, que por sua vez, precisam de seus narradores inteiros: de ouvidos atentos, corpo disponível e alma livre.

O território que me oferece liberdade de me deixar habitar pelas histórias, é aquele que abre a porta para elas. Sei que sou a dona da sua chave, mas não me atrevo a guardá-lo só para mim. Este território precisa receber todos os seus visitantes, e compartilhar com o mundo tudo o que acontece dentro dele. Caso nada isso venha a acontecer, sinto que já não serei mais a mesma. Meus ouvidos podem ter uma parada e meu olhos ser vendados, meu grande músculo vermelho sofrer um ataque e fechar a porta de vez. As histórias são as grandes inquilinas, aquelas que pedem respeito, vida, respiração...

E se, por falta de cuidados, eu perder a chave deste território vermelhão, sinto que já não terei mais vida própria. Tudo em mim não será mais meu, porque corro o risco de ter muitos chacais batendo nessa porta com voz de ovelhas.

Então, jamais poderei dar asas à minha zona de conforto. Posso voar livre pelo meu território de mãos dadas com todas as histórias - aquelas que me escolheram. 

Juntas podemos entrar em qualquer lugar do mundo - lugares à nossa espera. Mesmo que ainda estejamos engatinhando, ganhando vida, crescendo, ser criança ou adulto, mostrar coisas e convidar outras pessoas para conhecer o território da liberdade de todos os contadores de histórias: interventores e inventores do imaginário... Loucos? Não importa!

"Bruxa da Mata, numa manhã de setembro de 2014"





















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