Para alguns autores e mesmo alguns contadores de histórias, é fatigante estarem a todo instante explicando o que fazem e como fazem a sua arte acontecer para as pessoas curiosas e aquelas que estão sempre querendo uma resposta para tudo. Por isso entendo as crianças que em determinado momento, se negam a responder para as pessoas de idades mais avançadas.
Muitas vezes, mais infantis que a própria criança.
Outro dia alguém fez esta pergunta:
- Quantos livros você lê por ano?
Olhei nas meninas dos olhos da pessoa e respondi com uma pergunta:
- Quantos livros você lê por mês?
A pessoa baixou a cabeça, pensou e falou:
- Não sei!
Então respondi:
- Nem eu sei quantos livros leio por ano. Simplesmente, vou lendo dentro das minhas possibilidades e interesse. Livros bons, são caros. Não gosto de ler livros pela internet porque muitos textos de autores como, Júlio Cortàzar, por exemplo, ao o texto no livro, vi que o texto postado nos sites sofrem alterações imperdoáveis. Ainda bem que muitos autores já não estão mais aqui para contestar. É uma mania que as pessoas, alguns escritores atuais, tem. Eles vão inventando e desconstruindo todas as ideias do autor original. O pior, eles colocam o nome do autor como se a colcha de retalho fosse de fato o texto original. Então prefiro pegar livros nas Casas de Asas (Bibliotecas). Assim leio o que foi escrito pelo autor, não pelo inventor de recheios textuais.
Quando eu era criança gostava mesmo era de brincar com as minhas bonecas de pano, rolar morro abaixo com elas grudadas no meu peito. Penso que eu agia assim por pensar que estaria protegida por elas. Dá para imaginar o que se passa por uma cabeça de criança?
Eu tinha o hábito de ensinar coisas às minhas bonecas. Então corria para a mata, nos fundos da casa onde morava, e colocava as minhas poucas bonecas ao lado da outra, sentadinhas, para aprenderem a ler e escrever. A escrita era feita com um galhinho de árvore, no chão, onde era ensinada às bonecas a leitura dos meus rabiscos. Eles eram nomeados: A, B, C... As palavras eram compreendidas por mim e pelas bonecas que nunca diziam NÃO. Elas pareciam responder, porque eu ouvia a leitura de cada uma delas. Eram somente duas bonecas de pano.
Então fico a pensar sobre minha infância. E me vem à memória o dia em que pedi à minha mãe:
- Mãe, me leva pra escola?
Ela soltou uma gargalhada. somente uma gargalhada. Virou as costas e fiquei sem resposta. Eu era só uma menina de seis anos de idade, ávida de vontade de aprender a ler as palavras escritas por uma professora e aquelas escritas no livro "Caminho Suave".
Era esta a cartilha que eu pegava dentro da sacola de plástico do meu irmão. Nesse tempo não havia mochila e outras bolsas da moda, como existem hoje. Eu lia todas as imagens sem saber que estava fazendo certo.
Foi a partir das minhas leituras de infância que comecei a inventar os elementos de animação, para as histórias que eu lia sem imagens. Eu me deslumbrava ao ver meus bonecos feitos de barro vermelho, sem poderem ser manuseados, um na frente do outro a retratar o meu imaginário. Adorava conversar sozinha: Eu, meus bonecos e um velhinho negro que só eu via e falava com ele. Era um homem sábio, que entendia tudo o que eu dizia. Penso que aquele velho foi o único que respondeu muitas das minhas perguntas. Minha vontade, era entrar dentro deste livro e caminhar com os dois.
E quando eu pegava os pedaços de papel de embrulhar pão (papel pardo) e escrevia os meus rabiscos que continham as minhas primeiras histórias, eles sempre eram amassados e jogados no lixo ou na boca do fogão à lenha. Minha mãe, sempre eu mostrava as minhas escrituras, dizia:
- Que bobagem é essa, um monte de risco.
E tudo era jogado fora. Confesso que eu ficava triste. Era tristeza de criança que logo esquecia e começava tudo outra vez. Eu era muito pequena, entretanto, lembro-me de mim, criança sapeca, louca para aprender a escrever porque ler eu pensava que já sabia. Eu era apaixonada por livros e quando encontrava um almanaque jogado numa lixeira ou na rua, eu pegava e levava embaixo do braço. Ao chegar em casa, me enfiava embaixo da cama para ler o meu almanaque. Eu gostava de ler as propagandas de leite moça da época. E quando minha mãe comprava o leite moça para colocar na polenta, eu sempre pegava a lata para sugar o restinho de leite. Era uma delícia.
Era muito gostoso.
Eu era apelidada de "cachorrinha guapeca", por minha mãe. Ela dizia que era sempre a mesma: apanhava, ficava de castigo e sempre retornava com a mesma cara de brincalhona, parecendo não ter sofrido nada. Eu vivia entre a casa, o meu quarto e o quintal no fundo da mata. Adorava perguntar aos pássaros:
- De que é feito a cabeça de gente grande?
Se os pássaros não respondiam, eu perguntava para as borboletas. Mas elas também ficavam sem responder. Era sempre assim. Coisa de criança que vê bicho de pelúcia diferente das pessoas grandes. Para mim, eles eram de verdade. Até latiam quando eu os deixava embaixo da cama. Nesse tempo, eu tentava sobreviver dentro de uma casa cheia de gente grande, uma irmã mais moça que eu e um irmão mais velho. Os dois, quase sempre, não brincavam comigo. Diziam que eu falava com quem não existia.
Então, entre os pássaros, as borboletas, as cotias, os maribondos que cismavam sempre em correr atras de mim, as abelhas em volt das colmeias no alto das árvores, as lebres que passavam saltitando, as cobras voadoras, aquele velho que sempre estava sentado num galho de goiabeira, a picar um pedaço de fumo para fazer um cigarro de palheiro e um bicho que podia comer criança e gente grande, também, passei a minha meninice um tanto só. Eu e todos esses seres que me faziam companhia. Até um bode me carregou no se lombo pelo meio da mata. Montei nele para ver como era. Foi uma montaria rápida, como um piscar de olhos. De repente o bode deu um pinote, foi quando não vi mais nada. Quando acordei, estava no colo do meu tio Zé a me sacudir.
Certo dia, com o vento a zunir nos meus ouvidos, sentei no terreiro, com uma varinha comecei a escrever as minhas lembranças, mas a chuva chegou de repente e apagou tudo. Continuei sentada com a chuva a me molhar. Me encolhi todinha. Chorei sozinha. Depois, quando só restaram os soluços, fui para casa. Ao entrar pela porta da cozinha, fui surpreendida com a cinta a me cintar as costas. Eu não podia correr. Se corresse, ganhava mais cintadas. Era assim que minha mãe me repreendia. Sem conversas.
Minha mãe sempre repetia:
- Escreveu, não leu, o pau comeu!
Mas eu nunca entendia esse ditado, porque quando eu escrevia e levava as minhas escrituras para ela ver, tudo o que eu ouvia era:
- Que bobagem é essa, menina, um papel cheio de riscos? Agora, larga dessa besteira e vai trabalhar, vai.
Aos cinco anos, eu lavava louça, varria a casa e pegava lenha na mata. O que eu mais gostava era de ir em busca de lenha. Assim me sentia livre. Esquecia o tempo e quando chegava em casa, lá vinha a cinta a me cintar. Mas eu já não ligava mais. Nem as lágrima vinha mais.
Aos domingos, minha mãe deixava eu brincar à vontade. Era dia de festa para mim. então eu lia e escrevia livremente. Desenhava na terra preta, lá no meio da mata, tudo o que eu imaginava. E, quando chegava a noite, eu via o Boitatá com a sua cabeça de fogo a caminhar no meio da mata. Eu corria para casa. Chegava toda suada. Meus irmão já haviam tomado banho. E a banheira ficava toda só para mim. Eu gostava de tomar banho por ultimo. Assim não precisava me banhar rápido.
Quando meu pai trouxe o livro do Tio Patinhas, fiquei tão feliz que me sentia dentro dele, como nesta imagem:
- Que bobagem é essa, menina, um papel cheio de riscos? Agora, larga dessa besteira e vai trabalhar, vai.
Aos cinco anos, eu lavava louça, varria a casa e pegava lenha na mata. O que eu mais gostava era de ir em busca de lenha. Assim me sentia livre. Esquecia o tempo e quando chegava em casa, lá vinha a cinta a me cintar. Mas eu já não ligava mais. Nem as lágrima vinha mais.
Aos domingos, minha mãe deixava eu brincar à vontade. Era dia de festa para mim. então eu lia e escrevia livremente. Desenhava na terra preta, lá no meio da mata, tudo o que eu imaginava. E, quando chegava a noite, eu via o Boitatá com a sua cabeça de fogo a caminhar no meio da mata. Eu corria para casa. Chegava toda suada. Meus irmão já haviam tomado banho. E a banheira ficava toda só para mim. Eu gostava de tomar banho por ultimo. Assim não precisava me banhar rápido.
Quando meu pai trouxe o livro do Tio Patinhas, fiquei tão feliz que me sentia dentro dele, como nesta imagem:
Ainda tenho alguns exemplares.
A leitura aconteceu quando a noite chegou e todos já estavam dormindo. Eu não gostava de dormir. Sempre ficava acordada até o sono me derrubar. Era uma verdadeira luta. De um lado estava o sono a me puxar para dentro dele, do outro estava o mundo a me chamar, quando todos estavam a dormir e a casa tomada de um silêncio que atiçava a minha mente. Eu era livre nos meus pensamentos de criança, quando todos dormiam. Eu podia passar a madrugada toda a ouvir o Ti Patinhas, o Luizinho, o Zezinho e o Uguinho.
eu irmão colecionava os almanaques do velho Fantasma. Mas nem sempre deixava eu pegar para ler. Ele sempre dizia:
- Tem que cuidar... só deixo se tú coçar as minhas costas.
E eu coçava as costas dele, que nem sempre cumpria com a palavra e saia rindo com o almanaque na mão. Ele tinha ciúmes dos almanaques dele. E quando marcava bobeira, eu pegava um e lia bem rápido, antes que ele visse. Ele tinha uma caixa cheia de almanaques dos super heróis: Batman, Homem Aranha... todos que apareciam no mercado.
Eu gostava de guardar os almanaques dos patos, do Pateta e dos lobos.
Me divertia com a Margarida. Parecia que ela pulava para dentro de mim. Juro que ouvia estes cachorrinhos uivarem nos fundos da nossa casa. Olho agora e vejo que o tempo passou. Nem os almanaques existem mais como na minha meninice. Eu os olhava com outros olhos, quando eu os ouvia uivar nos fundos da casa da Margarida como se eles estivessem nos fundos do meu quintal, como quem ilusioneia um conto maravilhoso. Só de ver as ilustrações, eu dizia que lia os almanaques. E narrava tudo o que lia às minhas bonecas de pano. As outras crianças só queriam brincar com os brinquedos concretos, brigar umas com as outras quando algo não dava certo, chorar quando eram contrariadas, fazer manha quando queriam algo que não lhes pertencia... fazer coisas de criança normal, como costumava dizer minha mãe.
Eu preferia brincar com o barro molhado para fazer bichinhos, mesinhas e tudo que me passava pela cabeça. Gostava de brincar de balanço numa corda que parecia do tamanho do mundo. Também gostava de esconde-esconde para deixar quem ia me procurar, sem me encontrar. Eu corria para casa e me escondia embaixo da cama dos meus pais. E quando descobriram que eu fazia isso, ninguém mais queria brincar de esconde-esconde comigo.
Uma das brincadeiras que eu não gostava, era de casinha. Nessa, eu sempre fugia na hora de arrumar a casa, de cozinhar... só gostava da hora de comer o cozinhadinho feito em panelinhas de argila sobre um fogãozinho inventado com dois tijolos. Eu gostava de acender o fogo. Quando eu quebrava uma das minhas loucinhas, pegava os cacos e colocava na caixa das loucinhas da minha irmã e trocava pela louça inteira. Minha mãe sempre comprava loucinhas aos pares (sempre iguais para ninguém escolher esta ou aquela). E quando a troca era descoberta, lá vinha a cinta a me cintar o lombo. Coisa de criança inventiva.
Certo Natal, ganhamos uma carretinha de madeira para carregar as nossas bonecas e as loucinhas de argila. Mas veio o dia em que encontrei a minha carrocinha cheia de cocô. Foi meu irmão quem fez isso. Eu não gostava de brigar com ele. então peguei a carretinha e a joguei dentro do rio do Córrego Grande, próximo da Universidade Federal de Santa Catarina, na Ilha de SC. Ela saiu boiando rio abaixo. Passado alguns dias, minha irmã perguntou, olhando e rindo com o meu irmão:
- Cadê a tua carretinha?
Eu respondia:
- Não sei! Ela deve ter ido embora.
E nunca mais me perguntaram sobre ela. Desse dia por diante, descobri que era assim que eu precisava fazer quando alguém estragava os meus brinquedos: dar fim neles. Entretanto, como eu parecia não ligar para o que me faziam, as pessoas grandes e pequenas me enchiam de apelidos, como: Nega Tita, cabelo enfarpado, pilantra, dedo de cabeça de cobra, Claudete chiclete de onça... por aí afora.
Minha vó materna, D. Filomena era austera, mas quando sentava para contar as suas anedotas e outras histórias, eu me deliciava. Esta era a brincadeira que eu mais gostava.
Ainda bem que tudo passa, que criança cresce, que gente grande envelhece... eu não deixei de ser criança. Tanto que aprendi a aprender como fazer o meu imaginário sair de dentro de mim e ganhar corpo. Fiz a minha vó Filomena, que agora é minha grande companheira no universo das histórias.
Eu entro dentro dos contos com a vó Filomena e todos os outros personagens que eu mesma fiz. São todos moradores do imaginário a ganhar vida que fala, conta e encanta todas as idades. São todos forte e pacientes ao levar e trazer as histórias dentro deles. Os bonecos que animam as nossas histórias que o digam. Os leitores/ouvinte que o digam, também.
E, naquele tempo da minha meninice, assim como no tempo de agora, ainda vivo com todos esses seres: animais de verdade, crianças verdadeiras, gente grande um tanto prepotente, todos "tentando sobreviver em cima do planeta terra", onde os bichos podem até comer gente, como as bonecas de pano podem mergulhar nas águas dos rios e sair boiando atrás da minha carrocinha. Tudo sem exigir o que não se pode dar.
Vou pausar por aqui!
Mesmo que me digam que jamais serei lida por alguém importante, não me importo. Continuarei lendo e escrevendo as minhas lembranças. Continuarei dando asas à minha crianças. Só ela sabe como brincar com o tempo e as palavras. Quem sabe um dia alguma Cora Coralina ou algum Machado de Assis me descobre, mesmo que seja mais 57 anos depois.
Claudete T. da Mata, Florianópolis, SC, 06 de junho de 2015.
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